Ecologia integral
Data de publicação: 03/10/2017
Francisco Borba Ribeiro Neto *
As relações entre nosso organismo, nossa sociedade e os ecossistemas são o foco de várias disciplinas científicas e correntes de pensamento: ecologia humana, ecologia social, antropologia ecológica, sociobiologia, economia ecológica, ecologia profunda etc. Todas partem do princípio de que “tudo está interligado”, mas seus pressupostos e métodos podem ser muito diferentes: enquanto a antropologia ecológica e a sociobiologia procuram, por exemplo, explicar nossos comportamentos como respostas adaptativas ao ambiente e são frequentemente acusadas de reducionismo biológico, a ecologia profunda se coloca num campo filosófico e doutrinal, buscando encontrar na relação do ser humano com a natureza e consigo mesmo princípios para a construção de uma humanidade mais plena. A ecologia integral, proposta pelo papa Francisco na encíclica Laudato Si’(LS), sobre o cuidado da casa comum (Roma, 2016), dialoga com todas as demais, abrindo uma nova frente para a reflexão interdisciplinar e para o diálogo entre espiritualidade e razão prática no mundo atual.
O sentido da integralidade
Nos tempos atuais, aceitamos, na prática, a fragmentação da pessoa humana em uma série de papéis sociais e objetos parciais em conflito entre si, promovendo uma submissão alienada do sujeito ao mercado e às normas sociais. Também aprendemos a desacreditar na transcendência e na espiritualidade como fenômenos inerentes à nossa condição humana, que necessitam ser atendidos e trabalhados para a realização de cada um de nós.
Por isso, muitos têm procurado uma visão integral do ser humano e da realidade. Entre os católicos, Jacques Maritain cunhou o termo “humanismo integral”, Paulo VI e depois Bento XVI criticaram as economias que não buscavam o “desenvolvimento humano integral” e o papa Francisco refere-se à “ecologia integral”. Essa recuperação está no horizonte também de outros autores, como Edgar Morin, em sua teoria da complexidade.
Procurar a integralidade da pessoa significa um esforço para superar as visões redutivas e unilaterais do ser humano. Homo não é só faber, oeconomicus, ludens, eroticus ou qualquer outra expressão que se deseje cunhar. Ele é tudo isso integrado – e a integração pressupõe que cada dimensão influencia as demais e está presente mesmo quando outra parece ser a dominante. Significa também perceber que o ser humano não se basta a si mesmo, ele necessita de “outros” e de um “Outro” ou de uma “totalidade” para se integrar.
Integralidade, interdisciplinaridade e sentido
Alunos e professores, jovens e adultos, todos desejamos experimentar a vida de modo integral. Essa experiência se manifesta, em nosso cotidiano, na escola e fora dela, como sabedoria, beleza e realização; enquanto a fragmentação se apresenta desprovida de sentido, de beleza e de sabor, massacrante em sua condição limitada de tarefa ou papel social a cumprir.
Sem uma perspectiva integral, nenhum problema humano – mais ainda as questões ambientais – é passível de uma solução realmente humana e gratificante. Francisco escreve na Laudato Si’:
“Não se pode sustentar que as ciências empíricas expliquem completamente a vida, a essência íntima de todas as criaturas e o conjunto da realidade. Isto seria ultrapassar indevidamente os seus confins metodológicos limitados. Se se reflete dentro deste quadro restrito, desaparecem a sensibilidade estética, a poesia e ainda a capacidade da razão perceber o sentido e a finalidade das coisas” (LS, 199).
“Se tivermos presente a complexidade da crise ecológica e as suas múltiplas causas, deveremos reconhecer que as soluções não podem vir duma única maneira de interpretar e transformar a realidade. É necessário recorrer também às diversas riquezas culturais dos povos, à arte e à poesia, à vida interior e à espiritualidade. Se quisermos, de verdade, construir uma ecologia que nos permita reparar tudo o que temos destruído, então nenhum ramo das ciências e nenhuma forma de sabedoria pode ser transcurada, nem sequer a sabedoria religiosa com a sua linguagem própria” (LS, 63).
O papa percebeu que a “sensibilidade ecológica” de nosso tempo está associada à grande crise de sentido que se evidencia particularmente
a partir da chamada pós-modernidade. O sucesso e a aceitação da sua mensagem ecológica residem justamente nessa capacidade de integrar questão ecológica e crise de sentido, ressignificando e reintegrando ciência, arte e cultura, racionalidade e afetividade. Na ação educativa, lança pistas tanto para a reflexão ética quanto para o trabalho interdisciplinar.
A ecologia integral de Francisco
Seguindo as pegadas de São Francisco de Assis, o papa escreveu sua encíclica socioecológica expressando um olhar de ternura para com a realidade e solidariedade para com os mais pobres e os sofredores:
“Laudato Si’, mi’ Signore – Louvado sejas, meu Senhor”, cantava Francisco de Assis. Neste gracioso cântico, recordava-nos que a nossa casa comum pode ser comparada ora a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços: “Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verduras”.
Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou. Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la. A violência, que está no coração humano, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos. Por isso, entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que “geme e sofre as dores do parto” (Rm 8,22). Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra (cf. Gn 2,7). O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos (cf. LS, 2).
O louvor que brota do maravilhamento e da gratidão e a evocação de imagens cheias de doçura e ternura apontam para um caminho pedagógico. Não basta denunciar a crise ecológica ou o drama dos mais pobres, mostrar gráficos impressionantes tanto pela sua cientificidade, invocar o destino sombrio que pode se abater sobre a humanidade.
O coração humano precisa de algo mais para se “co-mover”, se “mover junto” com os demais rumo a um mundo melhor. A resposta à crise de sentido e o estímulo mais eficiente à sensibilidade ecológica e ao compromisso com o meio ambiente e o bem comum nascem de uma experiência de amor e de beleza. O trabalho interdisciplinar exige um “fio de ouro” que entrelace todos os conhecimentos, um norte para se orientar. Essa é a contribuição epistemológica do amor. Mas, para que o amor possa desempenhar essa função, não pode ser um sentimento individualista, tem que crescer e ganhar sua dimensão social, tornar-se um critério de comportamento diante do que sofre e do que está fragilizado.
O amor, não o poder, como critério
Ciência é poder, riqueza material é poder, mas poder não é sabedoria:
A tecnociência, bem orientada, pode produzir coisas realmente valiosas para melhorar a qualidade de vida do ser humano. (...) “Ou melhor: dão àqueles que detêm o conhecimento e sobretudo o poder econômico para o desfrutar, um domínio impressionante sobre o conjunto do gênero humano e do mundo inteiro”. (...) “Tende-se a crer que toda a aquisição de poder seja simplesmente progresso, aumento de segurança, de utilidade, de bem-estar, de força vital, de plenitude de valores”, Romano Guardini. (...) A verdade é que “o homem moderno não foi educado para o reto uso do poder” (LS, 104-105).
Acreditamos que o dinheiro possibilita comprar todas as coisas e que tudo que a ciência e a técnica podem fazer nos trará felicidade. Mas isso não é verdade. A energia atômica, por exemplo, é uma grande conquista da ciência, mas justifica os arsenais nucleares ou o risco de acidentes como Chernobyl (União Soviética, 1986) ou Fukushima (Japão, 2011)? Não seria mais sábio ter deixado os átomos nos laboratórios e ter investido em outras formas de energia? As grandes avenidas sobre rios e várzeas urbanas foram saudadas como soluções urbanísticas para os grandes engarrafamentos. O tempo passa, o número de carros aumenta, o trânsito piora e as enchentes vitimam mais famílias, exigindo obras mais complexas e dispendiosas. Não seria mais sábio procurar soluções de transporte coletivo?
A inseminação artificial humana, chamada de reprodução assistida, é caríssima e sujeita a mulher a enormes sacrifícios e constrangimentos físicos, gera o problema dos embriões humanos “excedentes”. Num mundo cheio de crianças abandonadas, todo esse esforço não seria mais produtivo numa educação solidária que nos ajudasse a entender, conforme a expressão de um pai com filhos biológicos e adotados, que “os filhos do amor podem ser tão ou mais filhos do que aqueles da carne?”.
Numa vida sem sentido, com uma personalidade fragmentada, o ser humano tende a agir direcionado apenas por sua instintividade e seu poder. Isso não é sábio, não traz felicidade para a pessoa, não constrói o bem comum. O amor tem uma força integradora e a capacidade de nos mostrar um sentido para a realidade que nos faz mais sábios e felizes. Esse é o pressuposto da ecologia integral e o convite que o papa Francisco lança a nosso trabalho pedagógico.

O sentido da integralidade
Nos tempos atuais, aceitamos, na prática, a fragmentação da pessoa humana em uma série de papéis sociais e objetos parciais em conflito entre si, promovendo uma submissão alienada do sujeito ao mercado e às normas sociais. Também aprendemos a desacreditar na transcendência e na espiritualidade como fenômenos inerentes à nossa condição humana, que necessitam ser atendidos e trabalhados para a realização de cada um de nós.
Por isso, muitos têm procurado uma visão integral do ser humano e da realidade. Entre os católicos, Jacques Maritain cunhou o termo “humanismo integral”, Paulo VI e depois Bento XVI criticaram as economias que não buscavam o “desenvolvimento humano integral” e o papa Francisco refere-se à “ecologia integral”. Essa recuperação está no horizonte também de outros autores, como Edgar Morin, em sua teoria da complexidade.
Procurar a integralidade da pessoa significa um esforço para superar as visões redutivas e unilaterais do ser humano. Homo não é só faber, oeconomicus, ludens, eroticus ou qualquer outra expressão que se deseje cunhar. Ele é tudo isso integrado – e a integração pressupõe que cada dimensão influencia as demais e está presente mesmo quando outra parece ser a dominante. Significa também perceber que o ser humano não se basta a si mesmo, ele necessita de “outros” e de um “Outro” ou de uma “totalidade” para se integrar.
Integralidade, interdisciplinaridade e sentido
Alunos e professores, jovens e adultos, todos desejamos experimentar a vida de modo integral. Essa experiência se manifesta, em nosso cotidiano, na escola e fora dela, como sabedoria, beleza e realização; enquanto a fragmentação se apresenta desprovida de sentido, de beleza e de sabor, massacrante em sua condição limitada de tarefa ou papel social a cumprir.
Sem uma perspectiva integral, nenhum problema humano – mais ainda as questões ambientais – é passível de uma solução realmente humana e gratificante. Francisco escreve na Laudato Si’:
“Não se pode sustentar que as ciências empíricas expliquem completamente a vida, a essência íntima de todas as criaturas e o conjunto da realidade. Isto seria ultrapassar indevidamente os seus confins metodológicos limitados. Se se reflete dentro deste quadro restrito, desaparecem a sensibilidade estética, a poesia e ainda a capacidade da razão perceber o sentido e a finalidade das coisas” (LS, 199).
“Se tivermos presente a complexidade da crise ecológica e as suas múltiplas causas, deveremos reconhecer que as soluções não podem vir duma única maneira de interpretar e transformar a realidade. É necessário recorrer também às diversas riquezas culturais dos povos, à arte e à poesia, à vida interior e à espiritualidade. Se quisermos, de verdade, construir uma ecologia que nos permita reparar tudo o que temos destruído, então nenhum ramo das ciências e nenhuma forma de sabedoria pode ser transcurada, nem sequer a sabedoria religiosa com a sua linguagem própria” (LS, 63).
O papa percebeu que a “sensibilidade ecológica” de nosso tempo está associada à grande crise de sentido que se evidencia particularmente

A ecologia integral de Francisco
Seguindo as pegadas de São Francisco de Assis, o papa escreveu sua encíclica socioecológica expressando um olhar de ternura para com a realidade e solidariedade para com os mais pobres e os sofredores:
“Laudato Si’, mi’ Signore – Louvado sejas, meu Senhor”, cantava Francisco de Assis. Neste gracioso cântico, recordava-nos que a nossa casa comum pode ser comparada ora a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços: “Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verduras”.
Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou. Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la. A violência, que está no coração humano, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos. Por isso, entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que “geme e sofre as dores do parto” (Rm 8,22). Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra (cf. Gn 2,7). O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos (cf. LS, 2).
O louvor que brota do maravilhamento e da gratidão e a evocação de imagens cheias de doçura e ternura apontam para um caminho pedagógico. Não basta denunciar a crise ecológica ou o drama dos mais pobres, mostrar gráficos impressionantes tanto pela sua cientificidade, invocar o destino sombrio que pode se abater sobre a humanidade.
O coração humano precisa de algo mais para se “co-mover”, se “mover junto” com os demais rumo a um mundo melhor. A resposta à crise de sentido e o estímulo mais eficiente à sensibilidade ecológica e ao compromisso com o meio ambiente e o bem comum nascem de uma experiência de amor e de beleza. O trabalho interdisciplinar exige um “fio de ouro” que entrelace todos os conhecimentos, um norte para se orientar. Essa é a contribuição epistemológica do amor. Mas, para que o amor possa desempenhar essa função, não pode ser um sentimento individualista, tem que crescer e ganhar sua dimensão social, tornar-se um critério de comportamento diante do que sofre e do que está fragilizado.
O amor, não o poder, como critério
Ciência é poder, riqueza material é poder, mas poder não é sabedoria:
A tecnociência, bem orientada, pode produzir coisas realmente valiosas para melhorar a qualidade de vida do ser humano. (...) “Ou melhor: dão àqueles que detêm o conhecimento e sobretudo o poder econômico para o desfrutar, um domínio impressionante sobre o conjunto do gênero humano e do mundo inteiro”. (...) “Tende-se a crer que toda a aquisição de poder seja simplesmente progresso, aumento de segurança, de utilidade, de bem-estar, de força vital, de plenitude de valores”, Romano Guardini. (...) A verdade é que “o homem moderno não foi educado para o reto uso do poder” (LS, 104-105).

Acreditamos que o dinheiro possibilita comprar todas as coisas e que tudo que a ciência e a técnica podem fazer nos trará felicidade. Mas isso não é verdade. A energia atômica, por exemplo, é uma grande conquista da ciência, mas justifica os arsenais nucleares ou o risco de acidentes como Chernobyl (União Soviética, 1986) ou Fukushima (Japão, 2011)? Não seria mais sábio ter deixado os átomos nos laboratórios e ter investido em outras formas de energia? As grandes avenidas sobre rios e várzeas urbanas foram saudadas como soluções urbanísticas para os grandes engarrafamentos. O tempo passa, o número de carros aumenta, o trânsito piora e as enchentes vitimam mais famílias, exigindo obras mais complexas e dispendiosas. Não seria mais sábio procurar soluções de transporte coletivo?
A inseminação artificial humana, chamada de reprodução assistida, é caríssima e sujeita a mulher a enormes sacrifícios e constrangimentos físicos, gera o problema dos embriões humanos “excedentes”. Num mundo cheio de crianças abandonadas, todo esse esforço não seria mais produtivo numa educação solidária que nos ajudasse a entender, conforme a expressão de um pai com filhos biológicos e adotados, que “os filhos do amor podem ser tão ou mais filhos do que aqueles da carne?”.
Numa vida sem sentido, com uma personalidade fragmentada, o ser humano tende a agir direcionado apenas por sua instintividade e seu poder. Isso não é sábio, não traz felicidade para a pessoa, não constrói o bem comum. O amor tem uma força integradora e a capacidade de nos mostrar um sentido para a realidade que nos faz mais sábios e felizes. Esse é o pressuposto da ecologia integral e o convite que o papa Francisco lança a nosso trabalho pedagógico.
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Mãos à obra
André Trigueiro, jornalista ambiental, fala de meio ambiente, em sua participação no DVD publicado por Paulinas Multimídia: • Laudato Si, O Renascer da Esperança sobre o Cuidado da Casa Comum – https://www.youtube.com/watch?v=xQQr1QGTvxo |
Fonte: Edição Nº85 Jan/Mar 2017
Postado por: Diálogo
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