Afonso Murad

Pastoral, Teologia e Vida Religiosa consagrada fazem parte da vida e da missão do autor Irmão Afonso Murad.
Nasci e cresci numa família católica tradicional. Meus pais eram pessoas piedosas e comprometidas com a Igreja. Quando tinha 13 anos, participei de um encontro de final de semana para adolescentes e jovens, promovido pelos Irmãos Maristas. Decidi participar do grupo que se formou a partir daí. O envolvimento nesta iniciativa pastoral suscitou em mim o desejo de ser Irmão e dedicar-me à evangelização da juventude.
No ano em que terminava o ensino médio entrei numa comunidade vocacional. Participei de círculos bíblicos em comunidades populares durante muitos anos. A partir dos círculos bíblicos passei a atuar como Agente de Pastoral em CEBs.
Vi muitas experiências bonitas de luta popular, de conquista de direitos, de organização e articulação, no campo e na cidade. Como esquecer os momentos em que sentado num banquinho, na cozinha da casa, ouvia as histórias das pessoas, tomava café feito na hora e depois voltava para casa pensativo, misturando sentimentos de perplexidade, admiração e indignação.
Teologia da Libertação - Quando, mais tarde, refleti sobre a “teologia da libertação”, percebi que ela é, antes de tudo, o empenho em pensar a fé em perspectiva social; iluminar a prática transformadora na Igreja e na sociedade, a partir do protagonismo dos pobres. Por isso, refuto com firmeza aquelas leituras intelectualistas e preconceituosas que interpretam a Teologia da Libertação como “ideologia” (no mau sentido), “manipulação política da religião”, “leitura marxista da fé”. Para mim, a teologia da Libertação não nasceu de teorias, mas sim do contato com homens e mulheres empobrecidos, com suas histórias de alegrias, sofrimentos e esperanças. Apesar de tantas crises e perseguições, a Teologia da Libertação permanece como um alerta às Igrejas cristãs: seguir a Jesus implica, ao mesmo tempo, um compromisso pessoal, comunitário e cidadão.
Aprendendo com os jovens - No correr de minha existência de consagrado, durante muitos anos me dediquei à Pastoral de Juventude. Enquanto era noviço, juniorista e jovem Irmão, acompanhei grupos de jovens nas comunidades. Em 1977 tomei parte do Concílio de Jovens, em Lins. Aquele evento deixou marcas indeléveis nos seus participantes e fez história.
Logo que terminei o doutorado e vim para Belo Horizonte, aceitei o convite de um jovem Irmão Marista para implementar o “Centro Marista de Pastoral” (CMP), destinado a formar lideranças de Pastoral de Juventude, sobretudo para as paróquias de periferia da região metropolitana. Durante anos promovemos minicursos de final de semana, encontros, retiros, páscoa juvenil, cursos de formação para monitores de crisma, oficinas de teatro, peregrinações... Ali aprendi a reelaborar a teologia no ritmo da existência dos jovens. Fizemos uma teologia viva, próxima e com sabor.
Compreendi que na pastoral o conteúdo (o que uns denominam de “doutrina”) deve ser dosado com metodologia, linguagem apropriada e espiritualidade. Não basta estar correto. Tem que ser significativo. Reelabora-se, dentro de um contexto de aprendizagem integral, de cunho intelectivo, emocional, existencial e prático. Conhecer é mais do que absorver informações e “verdades” atemporais. A formação cristã se dá dentro de um processo de relações entre pessoas, situadas na sociedade, para que amemos a Jesus com mais intensidade e nos engajemos em sua causa. Importa ter em conta tanto o conteúdo a aprender quanto os interlocutores, com suas perguntas, respostas parciais, buscas e encontros.
Pastoral e teologia - A teologia sem a pastoral pode se transformar num saber distante, desconectado da existência das pessoas e da missão da Igreja no mundo. A pastoral traz novas perguntas e desafios para a teologia e para o magistério. E aqui está um dos dilemas de fundo da Igreja, no atual momento histórico: ou entramos na aventura arriscada de repensar a fé em novos contextos histórico-culturais, ou então nos contentaremos em dar respostas anacrônicas e pouco significativas.
A busca de significatividade pastoral influencia a minha tarefa teológica, como o sangue que corre nas veias. Por isso, necessito “testar” o que elaboro, antes de publicar em livros. Muitas vezes tive que corrigir, descartar, incluir ou refazer textos. Quando é um assunto original, publico o artigo depois que ele já passou por várias versões e pelo parecer crítico de alguns interlocutores.
Escrever teologia com sensibilidade pastoral é uma experiência fascinante. Exige do teólogo o espírito de aprendiz e a humildade.
Da teologia à teologia da Vida Religiosa - A origem remota da minha vocação teológica vem da infância. Meu pai, imigrante libanês, sempre cultivou o hábito da leitura e estimulou os filhos para isso. Quando entrei na formação inicial dos maristas, no ano de pré-postulado, pela primeira vez tive acesso a uma biblioteca de livros de teologia. Fiquei fascinado! Comecei a ler algumas obras, embora elas fossem difíceis. Um livro, recém lançado, me tocou: “Jesus Cristo, libertador”, de Leonardo Boff.
Interessei-me pela bíblia, e alguém me recomendou uma obra recente, em linguagem acessível e com forte impacto existencial: “Deus onde estás?” de Carlos Mesters. Identifiquei-me com a linguagem e com abordagem. Durante meu noviciado fizemos um curso com J.B. Libânio sobre “Formação da Consciência Crítica”. Dali começou a relação com o “mestre Libânio”, que foi decisiva para minhas opções no futuro. Resumidamente, tive três figuras inspiradoras para ser teólogo: a poesia e ousadia teológica de L. Boff, a sensibilidade bíblica, espiritual e pastoral de C. Mesters, a metodologia e o rigor científico de J.B. Libanio.
No período dos meus votos temporários, trabalhei numa escola marista e fiz o curso de pedagogia, além de manter as atividades pastorais com as CEBs e a Pastoral de Juventude. Eu tinha sede de conhecer mais sobre a minha fé. Então, arranjava um tempinho para ler alguma obra teológica. No correr de quatro anos li espaçadamente todos os verbetes do Dicionário de Teologia Bíblica de León-Dufour, várias obras de Joaquim Jeremias e a coleção “Teologia para o cristão de Hoje”.
Seis meses após os votos perpétuos comecei o curso de graduação em teologia com os jesuítas em Belo Horizonte, no então ISI (Instituto Santo Inácio), que hoje se chama FAJE (Faculdade Jesuíta). Tive a graça de ser aluno de grandes mestres, que articularam de forma ímpar a herança da teologia ocidental européia com as questões emergentes da América Latina. Dentre eles, destaco M. França Miranda, F. Taborda, C. Palácios, R. de Gopegui e J.B. Libanio. Também fiz o mestrado em BH e na minha dissertação analisei a obra do Juan Luis Segundo. Ampliei o tema no doutorado, que cursei e concluí na Gregoriana de Roma, sob a orientação de F. Pastor. Então, voltei para o Brasil e recomecei a trabalhar com teologia e pastoral.
Quando retornei ao Brasil após o doutorado, em 1992, recebi o convite para fazer parte da Equipe de Reflexão Teológica (ERT) da CRB, fato que me causou grande alegria. Durante os oitos anos da primeira etapa de participação, desabrochei em minha vocação teológica.
Teologia com a Vida Religiosa - Colaborei em Assembléias regionais e nacionais, seminários e outros eventos da CRB. Como me tornei conhecido no meio das congregações, assessorei também Capítulos Provinciais, Capítulos Gerais, Assembléias e dias de reflexão. Aproximar-se de uma congregação diferente, com sua história e carisma, enriquece meu horizonte
Durante três anos participei da Equipe de Teólogos(as) da CLAR (Conferência Latino-americana dos Religiosos/as), o que dilatou meu horizonte geográfico e culturais. Senti-me como um cidadão latino-americano. Retornei à Equipe de Teólogos(as) da CLAR em 2015.
Durante quatro anos e meio suspendi minha atuação de teólogo e pastoralista, para desempenhar a missão de animação e governo na minha província.
Ao terminar a missão de provincial e colaborar no processo de unificação de duas províncias da minha congregação, voltei a estudar. Queria ajudar as lideranças das instituições religiosas a atuarem de maneira eficaz, com mística. Fiz uma especialização em Gestão na Fundação Dom Cabral e dali surgiu o livro “Gestão e Espiritualidade” (Paulinas). Fico feliz quando recebo os comentários de religiosos e leigos que avançaram na sua prática, servindo-se desta obra. Ela sinaliza uma experiência bem sucedida de relação entre teoria e prática.
É fascinante refletir sobre a teologia da Vida Religiosa, porque estou implicado nela. Não é algo externo. Embora como pesquisador eu exercite certa isenção e distanciamento, necessários para elaborar um saber com algum grau de cientificidade, sinto-me envolvido no que escuto, penso, falo, discuto e partilho. Tal emoção faz parte do meu modo de pensar, falar e escrever.
Sou grato às pessoas com quem partilhei e partilho minha intimidade, naquelas relações únicas, inesperadamente belas, construídas lentamente na fidelidade, no correr de anos.
Email: amurad@marista.edu.br
Blog: www.afonsomurad.blogspot.com
Obras publicadas por Paulinas
Maria, toda de Deus e tão humana Cuidar da casa comum (org) Gestão e espiritualidade
de transformação (articulista)

