A inculturação do Evangelho
Data de publicação: 01/11/2018
A inculturação do Evangelho frente aos novos desafios
Por, Dom Pedro José Conti, bispo de Macapá (AP)
Quero caminhar com o meu povo e estar no meio dele, sofrer com ele as mudanças e enxergar com ele os sinais de esperança
Escrevo estas páginas no silêncio da casa do padre de uma das nossas paróquias do interior, distante cerca de 150 quilômetros de Macapá, a capital do estado de Amapá e sede da Diocese. O que o bispo está fazendo aqui? Está em visita pastoral? Nada disso, estou aqui porque esta paróquia do interior, por durante alguns anos, não tem o pároco residente. Eu e outro padre nos revezamos para visitar as comunidades desta paróquia. Eu gosto disso, me faz bem sair do barulho da cidade para partilhar um pouco da vida real do nosso povo. Aqui o telefone não funciona bem e para pegar a internet precisa ficar na praça e conhecer a senha do Hi-Fi do colégio. Nada fácil.
Com estas considerações aponto um dos nossos primeiros desafios: a falta de agentes de pastoral: padres, religiosos, religiosas e também leigos disponíveis. Na prática, o responsável desta paróquia, quem organiza as visitas dos padres e do bispo, é um diácono permanente. Ainda bem. No entanto, sempre me pergunto se a presença de um padre residente resolveria a tarefa da evangelização. Claro que já seria um grande passo, mas me pergunto também o que o padre faria o dia inteiro e o tempo todo.
De fato, esta paróquia é formada por uma área que ainda pertence ao município de Macapá e outros dois micromunicípios. Pequenos, não pela extensão, mas pela população. Ainda tem bastante mata, e onde ela já desapareceu estamos assistindo ao avanço das plantações de soja. Isto muda o panorama da região e o jeito de vida de quase todo o mundo. Explico. Antes, coloquei a pergunta sobre o trabalho pastoral do padre. É sério. Até havia poucos anos – já faz 34 anos que cheguei ao Brasil e à Amazônia – quando o padre chegava na comunidade, tudo parava. Tenho fotografias do povo, das crianças e até dos idosos, desfilando na beira do rio, aguardando a chegada do barco do padre. A visita era uma festa e, às vezes, acabava mesmo assim, com jogo de futebol e um arrasta-pé no barracão. Talvez o esquema era ainda aquele da “desobriga”, mas dava gosto ser acolhido e, digamos, esperado.

O povo não lutou sempre para poder viver com mais dignidade? E o dinheiro não era ainda mais curto no passado? O resultado, porém, é que a capela fica meio vazia. Vem quem quer. Talvez quem pode. Graças a Deus, quem vem participa bem, é animado, e, se o padre não é tão apressado, é possível vivenciar uma boa celebração, um fraterno bate-papo e uma refeição, ou merenda. Não dá para desanimar, mas fica a pergunta: Só isso? A meu ver este é o grande desafio atual: a participação do nosso povo. Teremos que nos acostumar a ser menos numericamente, mas a qualidade será melhor?
Na cidade, talvez não tenhamos esta impressão. As igrejas continuam cheias, porque, pelo tamanho, enchem facilmente. Mas, se formos contar o número dos participantes, proporcionalmente, são pouco os que participam regularmente. Temos festas, eventos, shows, bingos, quermesses, confraternizações, concursos, desfiles e o que a criatividade nos sugere, incluindo missas especiais com bênçãos particulares. Não sabemos mais o que inventar para atrair o povo. Até para uma “boa” liturgia parece ser preciso uma pré-animação. Sinal que estamos distraídos, a nossa cabeça está entretida em outras coisas. No entanto, será que basta dizer ao vizinho: “Que bom que você veio”, perguntar-lhe se está feliz, abraçá-lo, para entrar no clima da liturgia?
Comunidades fraternas – Não sou saudosista nem pessimista. Simplesmente, acredito que devemos nos conscientizar de que as coisas mudaram. A modernidade, com os seus mitos do lucro e do bem-estar individual, entrou de cheio nas nossas comunidades, da cidade e do interior. A indiferença ou a falta de sensibilidade e interesse com as questões sociais também são evidentes. O nosso povo ainda organiza bingos para ajudar doentes na hora da precisão, mas pouco participa das associações, dos sindicatos, dos partidos políticos.
A tranquilidade da própria casa, a tentação do sofá, como diz papa Francisco, são muito grandes. O medo das críticas, de ser contestado, de ter que prestar contas, afasta das responsabilidades, dentro e fora da Igreja. Não falta gente boa, mas aparecem também os oportunistas, aqueles que cheiram de longe uma possível vantagem pessoal. Muitas coisas ainda parecem funcionar, sobretudo se respondermos a certas expectativas. Desejos, por exemplo, de exterioridade, de aparências, de se sentir diferentes, abençoados e privilegiados. Mas até quando? Por onde começar a “conversão pastoral” urgente e gritante? Eu tento ser “pastor”, não sou “pastoralista”, ou seja, não tenho soluções bem organizadas, com planos, metas e avalições.
Quero caminhar com o meu povo e estar no meio dele, sofrer com ele as mudanças e enxergar com ele os sinais de esperança. Confio no Espírito Santo e nas forças humanas – as pessoas – e divinas – a sua compaixão e misericórdia –, que nunca irão faltar. Começo pela coisa mais simples e mais visível: a comunidade. Participar da comunidade é o antídoto ao individualismo. Mas devem ser comunidades que brilham pela fraternidade e a caridade, ou seja, a solidariedade.
Todos os dias, sempre, na alegria de servir os pequenos, os excluídos e os pobres. Somente se o nosso coração deixar de ser de pedra e começar a ser de carne, humano, afetivo, sensível e generoso, começaremos a ver nos outros amigos, irmãos, companheiros de luta e caminhada. Onde vamos aprender tudo isso, que é exatamente o contrário do que escutamos todos os dias e de todas as formas? Nós, cristãos, só podemos aprender isso, aos poucos, conhecendo mais Jesus Cristo.

E assim voltamos ao primeiro desafio: a falta de ministros ordenados. Devemos rezar pelas vocações, mas também aprender a celebrar melhor as nossas missas. Sem pressa, sem estrondos, sem a preocupação de surpreender o “freguês”. Se é uma comunidade que se reúne, todos se perdoam porque o Pai de todos é misericordioso. Todos se amam porque o Filho Jesus não poupou sua vida. Todos se alimentam do Corpo e Sangue do Senhor para não cair no caminho. Todos se deixam “transformar” pelo Espírito Santo que quer fazer de todos nós – um dia, de toda a humanidade dispersa – um “só coração e uma só alma”. Não é questão de mais missas, mas de “mais missa” ou seja, missas mais bem celebradas e vividas. No ano que tivemos o Congresso Eucarístico Diocesano, o lema da nossa catequese foi: “Na missa, entramos discípulos e saímos missionários”. Que assim seja para todos nós, apesar dos desafios e das incertezas do caminho. Caminhando, o caminho vai se abrindo! Ainda acreditamos nisso?
Fonte: Fc edição 985, janeiro de 2018
Postado por: Família Cristã
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