Uma Igreja sem medo
Data de publicação: 16/07/2018

Por, Moisés Sbardelotto
“Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e suja por ter saído pelas ruas, a uma Igreja doente pelo fechamento e pela comodidade de se agarrar às próprias seguranças”, papa Francisco..
O primeiro passo foi dado. Durante os cinco dias da visita apostólica do papa Francisco à Colômbia, entre os dias 6 e 10 de setembro passado, quase 7 milhões de pessoas, o total de participantes em todas as atividades papais, puderam viver momentos de esperança. Depois de mais de 50 anos de conflitos armados e de violência, o país passa atualmente por um processo de reconciliação nacional. O lema da visita foi justamente “Demos o primeiro passo”, um convite para que o povo colombiano encontre a paz e o perdão, nos passos daquilo que Jesus ensinou. Um exemplo e um sinal também para o clima de polarização e intolerância que vivemos no nosso País.
A visita à Colômbia foi a 20ª viagem do pontificado de Francisco. Antes dele, o país também havia sido visitado pelo Bem-aventurado Paulo VI, em 1968, e por São João Paulo II, em 1986. Logo ao chegar, Francisco lembrou seus antecessores, indicando as razões de sua viagem: “Assim como a eles, move-me o desejo de partilhar com meus irmãos colombianos o dom da fé, que se arraigou tão fortemente nestas terras, e a esperança que palpita no coração de todos. Só assim, com fé e esperança, é possível superar as inúmeras dificuldades do caminho e construir um país que seja pátria e casa para todos os colombianos”.

Ao longo de mais de cinco décadas, cerca de 200 mil colombianos foram mortos, e outros 6 milhões tiveram que migrar dentro do país para fugir da violência. Em dezembro do ano passado, foi assinado um acordo de paz entre as duas partes, pondo fim a esse meio século de enfrentamentos. O primeiro acordo de paz havia sido rejeitado em um plebiscito popular em outubro passado. Novas negociações geraram uma segunda versão, menos tolerante com os rebeldes, embora permitindo que estes pudessem formar um partido político, disputar eleições e ocupar cargos públicos. Assim, hoje, as Farc continuam existindo, mas com uma nova identidade, como partido político, a Força Alternativa Revolucionária do Comum. Os ex-guerrilheiros das ex-Farc entregaram a sua última arma às Nações Unidas em junho deste ano.
Esse foi o contexto com o qual Francisco se encontrou. No seu encontro com as autoridades civis, em Bogotá, o papa indicou que “a busca da paz é uma obra sempre em aberto, uma tarefa que não dá tréguas e exige o compromisso de todos. Uma obra que nos pede para não esmorecermos no esforço por construir a unidade da nação e persistirmos na labuta por favorecer a cultura do encontro que exige que, no centro de toda a ação política, social e econômica, se coloque a pessoa humana, a sua sublime dignidade e o respeito pelo bem comum”.

Mas foi no Parque Las Malocas, em Villavicencio, que ocorreu o encontro que Francisco desejava com mais intensidade, como ele mesmo afirmou: o Encontro de Oração para a Reconciliação Nacional. Em seu discurso, o papa reconheceu: “Gostaria de chorar com vocês, gostaria que rezássemos juntos e nos perdoássemos – eu também tenho que pedir perdão – e que, assim, todos juntos, possamos olhar em frente e caminhar com fé e esperança”. E, como dissera Francisco aos bispos dirigentes do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), “o coração latino-americano foi treinado para a esperança”. E citou um verso de uma música do cantor e compositor brasileiro João Bosco: “A esperança é equilibrista; dança na corda bamba de sombrinha”. Segundo o papa, essa frase lembra que “o nosso povo aprendeu que nenhuma desilusão é suficiente para curvá-lo. Ele segue Cristo flagelado e manso, e permanece na esperança da sua vitória”.
O símbolo dessa esperança sempre viva foi a imagem do Crucificado de Bojayá, um crucifixo que, no dia 2 de maio de 2002, presenciou e sofreu o massacre de dezenas de pessoas que se refugiaram na igreja dessa localidade, devido à explosão de uma bomba. Quase 80 pessoas foram mortas. No chão, junto com as vítimas, ficou a imagem de Cristo, desprendido da cruz, sem os braços nem as pernas. Um “Cristo mutilado”, trazendo as marcas da guerra civil. A comunidade de Bojayá restaurou a escultura, deixando evidentes os sinais do ataque, para que esse gesto nunca fosse esquecido. Uma imagem, como afirmou Francisco, com um “forte valor simbólico e espiritual”.
“Ao fixá-la” – disse – “contemplamos não só o que aconteceu naquele dia, mas também tanto sofrimento, tanta morte, tantas vidas destroçadas e tanto sangue derramado na Colômbia nas últimas décadas. Ver Cristo assim, mutilado e ferido, interpela-nos. Não tem braços, e o seu corpo já não está inteiro, mas conserva o seu rosto e, com ele, olha-nos e ama-nos. Cristo partido e amputado, para nós, ainda é ‘mais Cristo’, porque nos mostra uma vez mais que Ele veio para sofrer pelo seu povo e com o seu povo, e também para nos ensinar que o ódio não tem a última palavra, que o amor é mais forte do que a morte e a violência”.
Nessa viagem, Francisco também sofreu uma pequena lesão no olho esquerdo, devido a uma freada brusca do papamóvel, quando ele se inclinava para cumprimentar uma criança. Como ele mesmo falou na Evangelii Gaudium, “prefiro uma Igreja acidentada, ferida e suja por ter saído pelas ruas a uma Igreja doente pelo fechamento e pela comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (nº. 49). Em busca da reconciliação, do perdão, da esperança e da paz, todo esforço é válido e necessário. O caso brasileiro, especialmente diante das tensões políticas e sociais dos últimos meses, também pede esse “primeiro passo”.
Fonte: Fc edição 982, Outubro de 2017
Postado por: Família Cristã
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